David Lynch lembrado: ‘Twin Peaks’ é atemporal

David Lynch será para sempre conhecido como autor de cinema, embora o artista consumado nunca tenha se restringido a um único meio. Pintura, rádio e até mesmo produção de café tudo fazia parte de seu repertório – mas o trabalho final de Lynch como diretor foi “Twin Peaks: O Retorno”. De acordo com o título, a série Showtime de 17 partes (e era uma série, sejam quais forem alguns contrarians tentei reivindicar) marcou uma espécie de retorno ao lar para Lynch, que voltou para a telinha após um hiato de um quarto de século. Com o drama da ABC “Twin Peaks”, Lynch e seu co-criador Mark Frost já haviam perturbado a televisão para sempre. Com “The Return”, Lynch consolidou a narrativa episódica e em série como a pedra angular de seu legado.

Agora é rotina para um diretor famoso mergulhar na televisão – tanto que é difícil recapturar o impacto de alguém como Lynch seguindo “Blue Velvet” com uma novela do horário nobre. Antes de ser normal que Park Chan-Wook, Alfonso Cuarón ou Hirokazu Kore-eda lançassem programas com um intervalo de um ano entre eles, antes que a TV a cabo e o streaming criassem um ambiente mais criativamente atraente para cineastas de carreira, Lynch abriu o caminho. E fê-lo como um verdadeiro original cujos instintos levaram a tudo o que a televisão tradicionalmente não era: lírica, em vez de lógica; visual, em vez de verbal; impressionista, em vez de linear.

Mas Lynch também esteve sempre em contato com a alma americana, e seu projeto ao longo da vida estaria indiscutivelmente incompleto sem uma passagem por uma instituição americana como a TV aberta. Lynch criou imagens indeléveis que justapuseram um idílio de meados do século com a escuridão que ele escondia. O orelha na grama em “Blue Velvet” foi um deles. O corpo da rainha do baile Laura Palmer embrulhado em plástico, encontrado em uma praia nos primeiros minutos de “Twin Peaks”, foi outro.

Lynch conseguiu honrar ambos os lados deste binário. Ele reconheceu a existência do mal puro e incipiente e canalizou sua essência com uma convicção aterrorizante. A imagem do tripulante Frank Silva, recrutado espontaneamente para interpretar o demônio assassino Bob, ao pé da cama de Laura inspira uma sensação avassaladora de pavor, mesmo como uma captura de tela estática. No entanto, Lynch também acreditava sinceramente na bondade de heróis como o Agente Especial Dale Cooper, de Kyle MacLachlan, e o relacionamento fácil de Cooper com os residentes da pequena cidade titular refletia um certo otimismo. Lynch nunca pensou que as forças das trevas definissem este canto do noroeste do Pacífico, ou provasse que o seu sentido de comunidade era uma mentira.

“Twin Peaks” tornou-se um dos primeiros exercícios para lidar com as decepções das caixas misteriosas de TV – ou, mais precisamente, com a expectativa de respostas claras de um homem cujo ethos se opunha a fornecê-las. Quem matou Laura Palmer? Um espírito sobrenatural de uma dimensão alternativa! Qual é o problema da sala vermelha com piso em divisa? Lynch teve uma visão quando ele se apoiou em um carro quente! Mas mesmo que o consenso seja que “Twin Peaks” despencou depois que a identidade de Bob foi revelada, sua reta final ainda foi consistente e transcendentemente maluca. Ninguém poderia confundi-lo com o trabalho de outra pessoa, que é em si uma anomalia que quebra paradigmas num formato definido de outra forma pela empresa colectiva. (Embora “Twin Peaks” nunca seria “Twin Peaks” sem, entre outros, o compositor Angelo Badalamenti, cujo tema vibrante evoca instantaneamente cascatas e inocência condenada.)

“The Return” foi um filme mais lento e sombrio – de “The Irishman” a “Goodfellas” do original, para fazer referência ao trabalho do colega de Lynch, Martin Scorsese. Tinha que ser, já que o original saiu com uma nota tão infeliz e perturbadora: com a alma de Cooper exilada na Loja Negra e seu corpo possuído pelo malévolo Bob. No entanto, a sequência também chegou um ano após a primeira eleição de Donald Trump, uma figura aparentemente retirada do zoológico de malucos tagarelas de Lynch. O clima melancólico e elegíaco combinava com o zeitgeist nacional, mesmo quando novos personagens malucos como Wally Brando, de Michael Cera, ou Dougie Jones, de MacLachlan (um Cooper com danos cerebrais em um pirralho verde blazer) pode aliviar o clima.

Embora “The Return” nunca tenha sido posicionado como o trabalho final de Lynch, havia uma sensação de peso cumulativo em seu primeiro grande projeto cinematográfico em mais de uma década, desde “Inland Empire” em 2006. O programa continha homenagens a colaboradores antigos, como o falecido David Bowie, cujo personagem do filme anterior, Agente Phillip Jeffries, foi mostrado transmutado em uma grande máquina semelhante a uma chaleira. Também continha uma espécie de história de origem elementar na extraordinária “Parte Oito”, um pesadelo em preto e branco que localiza a semente de algo terrível na detonação da bomba atômica. E seu final foi, literalmente, atemporal: um confuso Cooper pergunta em que ano estamos antes que o grito estridente de Sheryl Lee reverbere durante a noite.

“The Return” foi o produto de um momento que já passou, quando a rápida expansão da televisão incentivou grandes oscilações que poderiam chamar a atenção. A temporada, no entanto, permanece como o ápice de uma filmografia titânica, e um encerramento do ciclo depois que o show original foi compreensivelmente, embora ainda triste, cancelado. “The Return” ecoou e inverteu uma onda contemporânea e contínua de revivals cínicos como “Fuller House”; Lynch não precisava mais de fan service do que de explicação. “The Return” foi algo maior do que uma recauchutagem vazia: uma oportunidade de regressar a um meio que ele ajudou a tornar mais hospitaleiro para uma arte pouco ortodoxa como a sua. “Twin Peaks” ajudou a preparar a TV para “Twin Peaks”. Como é isso para um retorno?

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