Crítica de ‘Bela noite, lindo dia’: como a Croácia desafiou a censura
Demora um pouco em “Beautiful Evening, Beautiful Day” para chegar a Barren Island, uma notória colónia penal na antiga Jugoslávia onde não eram necessárias celas e guardas armados contavam com o mar para manter os encarcerados na linha. No entanto, uma prisão sem grades revela-se logo no início do drama em preto e branco da escritora e diretora Ivona Juka, às vezes excessivamente zeloso. O filme se passa em 1957, logo depois que o país escapou da ameaça do fascismo dos nazistas, apenas para cair nas garras do comunista Josef Broz Tito, que não teve menos vergonha de rejeitar vozes dissidentes, inclusive as da comunidade gay.
Quando Tito manteve o seu domínio sobre a imaginação do público através da propaganda, “Beautiful Evening, Beautiful Day” oferece assumidamente uma imagem muito mais sombria da sua liderança ao seguir uma dupla de cineastas romanticamente entrelaçados Lovro (Dado Cosic) e Nenad (Djordje Galic). Tendo um apoiador no alto escalão do governo por cumprir pena no exército, os dois passam os dias no set sem interferências e podem ser vistos de mãos dadas na mesa de jantar dos pais de Lovro sem nenhuma preocupação no mundo. No entanto, Lovro parece ter aberto a porta para problemas ao tentar filmar uma cena em seu último filme que sugere um guarda de fronteira e um soldado do Exército Popular da Iugoslávia fugindo juntos para a Itália, chamando a atenção de um observador no set de o conselho de censura.
O próprio desrespeito de Juka por tal descuido fica evidente apenas alguns segundos depois de abrir “Beautiful Evening, Beautiful Day” com uma cena de sexo explícita entre Lovro e Nenad que certamente não passaria na avaliação nem mesmo de um comitê atual. (Na verdade, depois de ser selecionado como seleção oficial do Oscar da Croácia, o cineasta alegou muito menos apoio financeiro para uma campanha de premiação do que outros do país nos últimos anos.) No entanto, a história acaba se apoiando em uma pessoa de autoridade ao apresentar o Emir ( Emir Hadzihafizbegovic), um burocrata de nível médio designado pelo estado para supervisionar o próximo filme de Lovro e que pediu extraoficialmente para sabotar a produção por dentro. O rosto impassível de Hadzihafizbegovic imbui Emir de uma credibilidade que já viu tudo, o que torna possível acreditar que ele está disposto a ser tão cético em relação àqueles que operam acima dele quanto abaixo dele.
Juka habilmente estabelece uma sociedade na qual ninguém pode confiar uns nos outros e o governo está ansioso para abrir ainda mais barreiras, transformando qualquer pessoa em informante. Mas há uma tendência infeliz de colocar as demandas da história à frente dos personagens, levando a decisões precipitadas da parte deles que não acompanham totalmente. O diretor também corre o risco de argumentar tão veementemente contra o preconceito que a sensibilidade para com os marginalizados é ignorada. Quando a situação se torna violenta para Lovro, Nenad e seus amigos e colegas Stevan (Slaven Doslo) e Ivan (Elmir Krivalic), torna-se irritante por outros motivos além dos pretendidos. Uma cena brutal, a surra de um homem gay que acaba de demonstrar extrema gentileza, parece ser estritamente sua decência – e não sua sexualidade – que torna a crueldade terrível. O filme também abandona um esforço admirável para normalizar o ato sexual físico entre dois homens na tela; não há muita diferenciação visual na forma como o estupro é apresentado durante as sequências de Barren Island.
Embora Juka nunca faça essa sugestão explicitamente, há a sensação de que “Beautiful Evening, Beautiful Day” é o tipo de filme que Lovro e seu bando de boêmios fariam se fossem deixados inteiramente por conta própria, para o bem ou para o mal. O filme não é tão rebelde contra as convenções narrativas como é em outros aspectos, o que faz com que os momentos em que a paixão pode obscurecer a coerência, tanto em sua raiva, mas também em devaneio, já que cenas de dança e alegria também podem parecer gratuitas, parecem tão agravantes. fora de sincronia. Mas quando a narrativa predominante de uma época é definida por outra pessoa, Juka tem consciência de quão poderosa pode ser essa perspectiva não filtrada. Ainda convivendo com a história que Tito construiu depois de inundar as ondas de rádio internacionalmente e excluir a perspectiva de qualquer um que ouse discordar, a visão de alguém pegando uma câmera de filme para capturar um dia na costa, quando Lovro e Nenad nadam nus, torna-se um dos cenas mais emocionantes do filme. Afirma a existência daqueles que foram em grande parte apagados até hoje, mesmo que sejam os únicos a saber que a filmagem existe. Podemos ficar felizes porque Juka também pegou sua câmera.