Fernanda Torres e Selton Mello em ‘I’m Still Here’, candidato ao Oscar
Selton Mello e Fernanda Torres se conhecem há décadas. Mello teve uma participação especial no programa brasileiro de Torres, “Normal People”, que foi exibido de 2001 a 2003, antes de alcançar enorme fama como ator e cineasta. Ele também trabalhou com o irmão dela, o cineasta Cláudio Torres, e com a mãe dela, a lendária atriz Fernanda Montenegro – talvez mais conhecida do público americano por sua atuação indicada ao Oscar no filme “Estação Central”, de Walter Salles, de 1998. Diz Mello: “Sinto-me literalmente parte da família”.
Agora a dupla interpreta o marido e a mulher Rubens e Eunice Paiva no aclamado drama de Salles “Ainda Estou Aqui”, baseado nas memórias de Marcelo Rubens Paiva. Paiva é um escritor conhecido no Brasil e sua autobiografia de 1982, “Feliz Ano Velho”, detalha o acidente que o levou a ficar tetraplégico. Esse livro também menciona como em 1970, quando ele tinha 11 anos, seu pai, Rubens, desapareceu e foi supostamente assassinado pelos militares brasileiros. “Conhecíamos o pai dele apenas como manchete”, diz Torres. “Sabíamos que ele tinha sido torturado e morto pelos militares e o corpo nunca foi encontrado, mas nunca soubemos a história completa.”
Somente em 2015, quando Paiva publicou “Ainda estou aqui”, é que o mundo conheceu não apenas os detalhes do desaparecimento de seu pai, mas também a inspiradora história de Eunice, que também sobreviveu à tortura e à prisão para começar uma nova vida com seus cinco filhos e se tornar um advogado de sucesso e defensor dos direitos humanos. “Foi então que descobri que seu pai não era apenas um super-herói”, diz Torres, “mas descobri a jornada de sua mãe, essa grande heroína”.
“I’m Still Here” é um material muito diferente da primeira colaboração de Mello e Torres, mas a dupla ganhou elogios por suas interpretações sensíveis desde que o filme estreou em setembro no Festival de Cinema de Veneza, onde ganhou o prêmio de melhor roteiro. Torres acaba de ganhar uma indicação ao Globo de Ouro de melhor atriz em drama, e o filme está na lista de finalistas do Oscar de longa-metragem internacional. O filme será lançado nos cinemas dos EUA em 15 de janeiro pela Sony Pictures Classics.
Embora ela já tivesse trabalhado com Salles antes e sua mãe já tivesse sido escalada como a Eunice mais velha, Torres não foi sua primeira escolha para o papel. Isso pode ser devido ao enorme sucesso de sua série de 2011, “Slaps & Kisses”, na qual ela interpretou uma funcionária de uma loja de noivas com defeitos românticos. “É claro que sou atriz de drama, mas fiquei muito conhecida por duas grandes comédias”, observa Torres. “Acho que fiz comédia demais para Walter pensar em mim.” Então, quando Salles pediu que ela lesse o roteiro de “Ainda Estou Aqui”, foi como colega, não como sua potencial Eunice. “Minha mãe já estava no filme e disse que queria minha opinião”, diz Torres. “Era um roteiro incrível, mas nunca pensei que ele fosse me convidar. O que é bom, porque não havia tensão entre nós.”
Ainda assim, quando o diretor finalmente lhe ofereceu o papel, ela admite que não ficou totalmente surpresa e aceitou com alegria. E a relação anterior entre os dois atores e o passado de comédia foram úteis no set. “Fernanda está histérica”, elogia Mello. “Ela é super engraçada e mesmo com a história trágica deste filme, ela poderia ser hilária. Poderíamos nos divertir atrás das câmeras, o que é perfeito.”
Torres ficou emocionado porque sua química fora da tela ganhou vida na tela. “Às vezes você não sabe se vai acontecer, mas neste caso aconteceu”, diz ela. E como o filme foi rodado cronologicamente, ela pôde aproveitar a ausência que sentiu quando Mello saiu do set. “A cena em que eu volto e ele se foi, estou realmente sentindo a perda”, ela revela. “Estou emocionada como atriz e como personagem e acho que você pode (sentir) isso no filme.”
“Quando sorrio e saio da tela, sai do filme”, lembra Mello. “E eles ficam em casa, e sentem falta do Rubens, e sentem minha falta. Foi um vínculo lindo que criamos conosco e com as crianças. E a Fernanda é a melhor parceira.”
Mello, que nunca havia rodado um filme em ordem antes, adorou o processo – e o resto do filme foi uma surpresa para ele. “Eu vi o filme como um membro do público”, diz ele. “E quando saio, vejo o que acontece e fico chocado e com o coração partido.”
Apesar do material desafiador, Torres diz que trabalhar no filme foi um prazer, em grande parte devido ao fato de Salles ter criado um ambiente que “era quase sagrado”. O próprio Salles tinha uma profunda ligação pessoal com o material – quando criança brincava com as crianças Paiva e visitava a própria casa retratada no filme. Torres observa que ninguém estava ao telefone no set, e os jovens atores que interpretavam as crianças Paiva geralmente só eram informados sobre o que aconteceria em uma cena pouco antes das filmagens. “Walter sabe que o ator é o coração da cena, por isso ele é muito respeitoso e prestativo”, diz ela. “Ele criou um mundo, não um cenário. Aquela casa em que filmamos é um personagem – cheira a casa, parece um lar.”
Os atores também se inspiraram na forma como o filme, apesar de detalhar uma tragédia, pretende inspirar. “Odeio filmes em que você sai se sentindo pior do que quando chegou ao cinema”, diz Torres. “É difícil ver o que esta família passou, mas eles sobreviveram. E essa família criou esse menino que escreveu esse lindo livro e o filme é uma continuação dessa família. Acho que é um filme muito esperançoso.”
E é um filme ao qual pessoas de todo o mundo têm respondido. Estreou em primeiro lugar no Brasil, superando “Venom: The Last Dance” e “Red One”, e já tocou para públicos rapsódicos em festivais em todo o mundo.
Ambos os atores estão profundamente emocionados com a forma como o filme repercutiu no público. Quando estreou no Festival de Cinema de Veneza e eles viram pela primeira vez a resposta – que incluiu uma ovação de pé de 10 minutos – Mello disse que percebeu. “Eu falei para a Fernanda: ‘Meu Deus, esse filme é o corpo’”, lembra Mello. “O corpo que eles nunca encontraram é o filme. Porque agora a justiça foi feita. Todo o povo brasileiro e o público do mundo todo (estão) assistindo esse filme, prestando uma homenagem a ele e a ela.”